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Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)
Ação Direta
Luta e Resistência do Movimento Sem-Teto no Rio de Janeiro
Article mis en ligne le 27 de Fevereiro de 2007
dernière modification le 14 de Março de 2008

“Internacional é o livre acordo estabelecido
por cima das fronteiras ou divisão política dos povos”.
Domingos Passos

A constante luta pelo socialismo libertário, levada a cabo por nossa organização, vem sendo concretizada com uma atuação social que está baseada em dois eixos estratégicos: os trabalhos de nossa frente comunitária e de nossa frente de ocupações.

A frente comunitária é hoje responsável pela gestão do Centro de Cultura Social do Rio de Janeiro (CCS-RJ) e de todos os projetos comunitários que lá estão radicados como a gestão da Biblioteca Social Fábio Luz (e o trabalho de produção teórica que lá se desenvolve), o projeto de reciclagem e educação ambiental, o projeto de letramento (educação de jovens com dificuldades no reconhecimento da palavra escrita e suas funções de comunicação), o curso pré-vestibular comunitário, a rede de distribuição de produtos alimentícios ecológicos (com participação de pequenos agricultores), o projeto de serigrafia e o núcleo de saúde e alimentação Germinal (que promove almoços vegetarianos regularmente).

A frente de ocupações articula-se em torno da Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST). O trabalho da FARJ com os sem-teto teve início há três anos atrás e desenvolve-se hoje em oito ocupações urbanas: Vila da Conquista, Nelson Faria Marinho, Poeta Xynayba, Domingos Passos, Olga Benário, Confederação dos Tamoios, Margarida Maria Alves e Quatro Casas do Instituto Benjamin Constant. Este trabalho surgiu a partir de uma demanda palpável da população carioca, por razão de toda a falta de espaço que é ocasionada pelo livre trânsito do capital, que “limpa o centro” e que joga os pobres cada vez mais para a periferia. Pobres que são então obrigados a amontoar-se nos morros, nos subúrbios ou a quilômetros de distância de seus locais de trabalho (quando existe algum). Identificamos então, que este poderia ser um terreno fértil para as idéias do anarquismo, já que as ocupações urbanas questionam, em primeira instância, a propriedade privada, a especulação imobiliária e a lógica do lucro, ou seja, pilares centrais do capitalismo que, como tais, devem ser questionados e combatidos por meio da organização dos explorados.

Revelãncia da militãncia social

A bandeira negra do anarquismo traz em sua tradição muitas respostas para os problemas da exploração capitalista e estatista. Essas respostas, muitas vezes dentro do âmbito teórico, devem auxiliar o trabalho social e fazer com que ele constitua-se como uma ferramenta concreta de luta contra essa exploração. Para isso, é necessário extrapolar as questões teóricas e concretizar as nossas demandas de transformação social; é dessa forma que buscamos ampliar os horizontes dos ideais libertários e partir para a prática real de transformação social. Acreditamos que é dentre as maiores vítimas do capitalismo - pessoas que têm necessidades reais e que sofrem de maneira mais dura as conseqüências do capitalismo - que o anarquismo tem campo para florescer e para prosperar.

Por isso afirmamos a necessidade do trabalho social: uma alternativa real de combate à ordem estabelecida que oferece possibilidades concretas de melhoria nas condições de vida de trabalhadores (empregados e desempregados) para, assim, potencializar o ideal revolucionário. Se a discussão não ganha corpo na luta social, a chance de exercermos alguma influência política, econômica ou social é nula. Se o anarquismo pretende ser minimamente considerado em termos de uma força política que busca espaço na sociedade, ele deve sair dos guetos, atuar socialmente em meio aos movimentos sociais e buscar seu espaço.

A frente internacionalista dos sem-teto (FIST)

A constituição da FIST deu-se a partir deste trabalho que já era realizado por nossa organização em quatro ocupações: Olga Benário, Vila da Conquista, Poeta Xynayba e Nelson Faria Marinho. A FARJ teve importante participação na constituição da FIST, estabelecendo juntamente com seus outros membros, princípios éticos e morais mínimos para a convivência, articulação política e organização das lutas do movimento de ocupações do Rio de Janeiro. Além disso, o respaldo jurídico às ocupações também acabou constituindo um de seus fortes pilares.

Dentro da FIST, a FARJ trabalha para organizar-se com outras pessoas de ideologias diferentes (basicamente comunistas apartidários) e representantes de cada uma das ocupações. Os militantes da FARJ dividem-se na participação nas assembléias das ocupações, algumas possuindo militantes da organização que lá residem, como no caso da ocupação Poeta Xynayba, e na participação de outras assembléias de ocupações que não possuem militantes residentes. O trabalho desenvolvido gira em torno da formação política, da organização de atividades pedagógicas e educativas, além do auxílio freqüente nas questões que surgem no dia-a-dia. Além disso, estimulamos permanentemente a participação de todas as ocupações no fórum geral de articulação, que é a FIST. Também nesta instância se dá o nosso trabalho de propaganda do modelo de organização libertário, estimulando as práticas libertárias como autogestão, federalismo, apoio mútuo e ação direta, com o objetivo de que elas aconteçam na prática o máximo possível.

O crescimento da FIST acontece como resultado de um processo bastante fundamentado que busca, desde um primeiro momento, conversar diretamente com os representantes da comissão de moradores de outras ocupações e, estreitando os laços, mostrar os exemplos das conquistas e das vantagens da articulação política em torno da Frente. O objetivo é tentar trazer essas pessoas para as reuniões da FIST, fazendo com que as ocupações saiam da política estritamente local, que diz respeito só à comunidade, e passem a trabalhar articuladas com as outras ocupações, com práticas de solidariedade e apoio mútuo.

Há um importante esforço de se acabar com o conceito de invasão e de se trabalhar o conceito de ocupação, que traz em seu bojo a concepção de posse. A posse estimula a não comercialização e a não obtenção de lucro sobre a propriedade, a propriedade coletiva que é utilizada por quem tem necessidade. É importante, de nosso ponto de vista, não transformar a moradia em um local comercial, e se discutir de maneira clara, o que é de uso privado (de cada um) e o que é de uso público (de todos). Geralmente aquilo que está interno às residências como, por exemplo, os bens e a mobília, é privado. O espaço externo e os centros comunitários, por exemplo, são os espaços públicos.

É assim que realçamos a idéia de reapropriação de um espaço abandonado, e que buscamos dar uma função social para os espaços vazios, transformando-os em moradia para os sem-teto cariocas.

Aspectos pedagógicos da luta

Julgamos, com muita humildade e dedicação para a luta, estar no início de um processo de inserção do anarquismo dentro do cenário político e dos processos de luta contemporâneos. É por meio deste trabalho que temos utilizado o anarquismo como uma ferramenta fundamental de suporte às lutas cotidianas.

Por sinal, é na luta que vemos muitas das diferenças desaparecerem. É na luta que aprendemos, junto com outros explorados, as lições da solidariedade e da autogestão. É exatamente quando as pessoas são estimuladas a desenvolver completamente seu potencial e sentem-se envolvidas na luta, e não são meramente utilizadas como uma massa de manobra, que vemos os princípios libertários aflorar.

A horizontalidade é um norte que direciona nossas ações e que se estabelece como nosso objetivo último, mas, como todos que estão na luta sabem, essa busca da autogestão é incessante e, quanto maior é o trabalho desenvolvido, maior a necessidade de trabalho. É uma busca interminável que só se consegue superar com grande comprometimento e dedicação, elementos que, com muita humildade, temos tentado trazer à militância anarquista do Rio de Janeiro. “Porque a noite escura passará, e nós trabalharemos para ver o amanhecer.”

Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)

Este artigo é uma adaptação reduzida do texto "A Propriedade é um Roubo", publicado originalmente em na revista Protesta! 4 e.